sábado, 3 de março de 2007

CARA-METADE?

Muito tem se falado a respeito da cara-metade, muitos livros foram escritos, muitas músicas foram compostas, discussões em programas de TV, artigos de revistas, jornais, todos se ocupam de ensinar como se identifica, como se conquista a tal cara-metade, ou alma gêmea, ou par perfeito, como diriam alguns. Não concordo, para se ter uma alma gêmea, supõe- se duas pessoas iguais em, pelo menos, cinqüenta por cento, o que deve ser muito chato, não há quem goste de ser gêmeo, nada pior para se manter alguma individualidade, o casamento de duas almas iguais só pode ser, no mínimo, um saco. Já o par perfeito supera o limite da paciência.Todos nós sabemos que não existe ninguém perfeito, então, necessariamente, quando você procura seu par perfeito, você está procurando nada mais nada menos do que... um alguém que não existe, ou então você é um ser humano que extrapola os limites da pretensão e quer casar-se com Deus sem tornar-se padre. Impossível. No entanto, nada melhor na vida do que encontrar sua cara-metade. Não é a parte que te cabe, é a parte que te falta, que te completa, a calma que dilui a raiva dos agressivos, a delicadeza que freia a velocidade dos impulsivos, a letra que traduz a música das imagens, a massa que dá forma a uma idéia... E não há ninguém, pelo menos neste planeta, que não tenha seu pedaço vazio, onde não falta ao menos alguma coisa, mas várias delas, todas esperando para encontrar sua peça de encaixe, luva pra sua mão, língua pra sua boca, pálpebra pro seu olhar, bico pro seu seio, lápis pra sua folha em branco que, sedenta de intensa procura, encontra tempo, espaço e forma para ser preenchida. E em meio a tantos espaços em branco, há quem pense que a cara-metade, coitada, tem obrigação da eterna completude. Ledo engano. Se já é metade, nasceu metade, para sempre metade, morrerá metade. Serve apenas para limpar o pus das brumas renascentes, nossa sina.Não há nada melhor do que pairar a aura da perfeição no pobre perfurado donde sangra a falta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Agora - que bom! - também está proseteando publicamente... E eu vou me encantando cada vez mais com você.

Luciana Gomes disse...

Não como lhe dizer, na justa medida, como gosto do seu fazer prosa-poético. Parece-me que sempre fico em dívida - com você, por não lhe render as honras que merece, e comigo, por não conseguir expressar o quanto suas palavras me tocam.