
Desde aquele dia nunca mais nos vimos. Foi estranho ele aparecer assim, no meio do nada. Vinte anos depois ele não ganhou barriga, não agrisalhou os cabelos nem mudou a maneira de vestir. O jeitinho de surfista mostrava a total impossibilidade de procurar alguém como eu, mas o acontecido de duas décadas atrás também parecia improvável. Conversamos sobre o tal professor de teatro sádico que me pôs na parede naquela ocasião. Engraçado você ter me defendido, falei. Ele não achou engraçado, e sim necessário. Eu sempre fiquei na minha tribo, e você parecia um candidato a atorzinho da Globo. Mas não estávamos no Tablado, ele disse. Eu concordei. Talvez lá não tivéssemos que assistir a três horas daquela bendita entrevista egocêntrica. Ele riu. Ele ria muito bonito, assim como há vinte anos. Eu estranhei as minhas rugas, barriga e cabelos soltos, a súbita e recente vaidade, a coragem... e percebi que ele só estava ali de passagem. No entanto, eu não era apenas mais uma pra ele, eu existia realmente. ELE era mais um pra mim. E se desfez, assim, na minha frente. Em poucos instantes era apenas um monte de pó branco amontoado na mureta onde antes sentava. Soprei.
2 comentários:
Não há nada que o tempo não reduza às devidas proporções...
Pois é, mas como diz Manoel de Barros, "só dez por cento é mentira, o resto é invenção". Obrigada pela visita e pelos comnetários.
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