Deitar-te no meu colo como
se fosse a última coisa possível, provável, imaginável. Chegar-te tão perto
como se o longe parasse e rígido ficasse, dissolvido na névoa branca do tempo.
Descrever-te como quem, cego, precisa do guiar do som e do tato. Cantar-te como
se as mais finas penugens em notas se transfigurassem na dura pena da proximidade da morte. Enluarar-te como
quem sopra frio vento e, ao relento, finge que não vê o sol levantar. Vestir-te
de nudez a cada palmo, cobrindo a bruma com a ponta do lençol. Caber-te na casa
lenta do botão despregado de sutiãs e seios. Suar-te como a água doce que, descendo
do corpo, corre na despertança da manhã. Pentear-te de fio a pavio, de onda,
sem pressa, sem rua, sem qualquer abrir de janelas, tal qual Bentinho e Capitu.
Calar-te a dedos enredantes, sisudo mas quente como brasa ofuscarada. Nortear-te
a rosas brisas e enleios, sem rumo ou traço de areia, seco e leve. Medir-te
completo e exato, derretendo a régua reta da planta do pé. E, por fim,
despir-te em veste de pele, completando a letra que falta com palavra: cheio, meio
a meio, metade meu, metade teu, sem denominador comum. Apossar-te de mim,
tomando à força a fração (justa) que me cabe.
Um comentário:
Lindo! Você arrasa como sempre!
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