A casa antiga me esperava há tempos, mas faltava coragem de entrar. As pedras largas e quadradas cobriam o quintal em conjunto com a grama que há muito não via aparo. A falta de iluminação afastava mais ainda quem de fora avistasse. Quem sabia o que poderia encontrar? Só que naquela noite, eu, por mais incrível que pudesse parecer, sabia muito bem o que procurava, e, certo do que achar, enterrei o medo que me gelava os ossos. Fui em frente.
Gritinhos infantis ecoavam ao longe e meio como borboleta que escapa, pude ver o vulto de uma criança que corria. Estaria ela brincando de esconder? Vestida no seu roupão de toalha aberto, deixava à mostra o maiô estampado. Ela se movia mais rapidamente do que um inseto, e ria, ria, gritava: “Você não me pega!” Molhada, deixava as marcas dos pezinhos nas pedras. Seu rabo-de-cavalo pingava gotas que caíam como que pintando o caminho. De repente, ela desapareceu. Não ouvi nem vi mais nada. Cheguei à beira da piscina que, vazia, tinha o fundo coberto de folhas mortas. O vento frio me gelou as vestes. Nenhuma roupa, por mais quente que fosse, poderia me aquecer.
Uma janela estava acesa, lá estava marcado o nosso encontro. Eu reconheceria quando visse a luz, ela disse. Não ofuscante, não, pelo contrário, era bem fraca, penumbra de lampião que dava ao ambiente um tom sépia de foto antiga. Subi as escadas. Escorreguei os dedos pelo corrimão coberto de poeira, mas ao cair no chão o pó brilhava. Era tão fino como fuligem. Ao chegar mais perto da porta de onde brotava a luz, a promessa de calor se anunciava: um morno ar, uma aura notória de aconchego. Estaria eu já tão perto dela? Ao entrar, tive certeza: a sala era outro mundo: nem sinal de poeira, vento ou escuridão. O cômodo guardava seus móveis de aparência real, confortáveis e de contorno dourado.
Eis que me sai dentre a cortina de contas, ela, a própria, trazendo consigo um perfume doce de rosas. Fazia tempo que não a via assim, tão clara. Estendeu as mãos em minha direção e não pestanejei, agarrei-lhe os dedos mansos e firmes, como no tempo em que dançavam nas teclas do piano. A pele enrugada de viço me jurava colo encostando-se na minha tão leve como brisa. Tocá-la assim me arrancava as palavras da boca. Desviando o olhar ela caminhou comigo até uma poltrona encostada na parede rosada. Sentou-se e sorriu para seu filho que, menino, derramava-se no sofá ao lado. Uma manta o cobria até o pescoço. Passou-lhe a mão pelos cabelos. Ele devolveu o sorriso, os dentinhos separados e miúdos. Ajoelhei-me diante dela e encostei a cabeça no seu peito. Seus batimentos, seu corpo pulsando vida em meus ouvidos... Atormentado de culpa, eu só conseguia dizer: “Sei que não tenho muito tempo...” Repeti seguidas vezes esta mesma frase até me pegar acariciando o encosto da poltrona. Foi tão rápido. Ainda sinto o calor do corpo dela. Foi tão rápido. Esperei tanto por este momento... Quem haveria de me tirar as frases da língua? Onde estariam as conversas que teríamos? Não pude dizer palavra, repeti sem rumo a mesma frase até abrir os olhos e me deparar com a luz branca e intensa que vinha da lâmpada fria do meu quarto. Fitei o teto. Alguém apagou a luz. Quem?
15 de setembro de 2007.
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