domingo, 16 de junho de 2013

ENTREATOS

Inventei que conversava contigo mas não sei se você respondia ou não. Acho que não. E tomando banho, lembrei de ligar para saber como você estava. havia me esquecido que você estava bem, mas eu não precisava (ou não podia) ligar. A água muito quente, assim como as tuas palavras, foi me percorrendo a alma. Realizei que minha religião não permite estas conversas, mas eu ando doida de vontade de conversar contigo. Espero que você me chame durante a noite, que me puxe as cobertas. Eu, que sempre tive tanto medo... Metade deles foi você que me ajudou a vencer, mais esse... não temos estes contatos. Devo confessar ao padre estes desvarios?  Quero ouvir de novo você contar como foi a festa de sete anos da Luanda sob as tábuas da Sala Crismaran... e as tuas aulas com Maria Clara Machado? Quisera eu ouvir  de novo, sentada no chão, descalça tuas histórias, repetidamente e sucessivamente, sem intervalo entreatos.

CORAÇÃO ENXUTO

 

escrevi antes que o amor é óbvio, mas não me parece tão óbvio assim e construo uma teia novamente, não vinda do mesmo vento, mas de outro lado, de outro ventre, é o sopro da saudade que queima e nutre a cada dia uma ponta de ausência que não quer  cessar de doer, não procuro mais retirá-la, ela meio que se instalou e mudou de vez pra minha alma assim como quem invade, sem permissão, sem anunciação, sem nada, ficando. não me dou ao luxo de perguntar por que, não posso, baixo o olhar e me vem as tábuas frias da sua  sala de sonho, que de duras não tinham nada, eram  amolecidas de todo como o teu coração enxuto, que carrega tudo tão em perfeito equilíbrio que até parece mentira se tratar de gente humana. Uma ponta de serenidade e inquietude, na mesma proporção, guardados para o uso em momento oportuno. Como podia você saber tão bem quando lançar mão de cada um assim tão naturalmente, como mãe sabe o que significa cada choro do filho? Como podia você saber distinguir quando uma gargalhada escondia angústia ou era gargalhada mesmo

SEU NOME


Descobri a forma e pensei a maneira mais exata de usá-lo, o finíssimo arame grudado em brasão prateado. Difícil saber seu nome,   não nos servimos dele em tempos de consumo descartável, e nas indústrias deve haver algo mais moderno e prático. No entanto, intriga-me as sinapses. Fitando-lhe o corpo, decido que ele merece nome pomposo. Guardei-o longe das vistas  de quem quer que fosse, o privei de descasar-se pelo suor dos dedos calejados ou suaves de uma dama de unhas feitas, esculpidas em vermelho, e devia mesmo estar longe das crianças, na possibilidade que o engulam. Leve demais, flutuaria nas tramas do intestino até a água final. Minha avó talvez o guardasse entre dedais, agulhas, ovos e arcos de madeira. Eis que o descubro, losango fino e flexível, de igual movimento e ternura, mas sem as carnes tenras que recebem as águas turvas do amor. Passada a linha, volta à gaveta de onde nunca deveria ter saído. Enclausurado, o brilho jubiloso não mais lembrará do que pode e deve, ser esquecido.

(22/03/2013)